quarta-feira, 29 de julho de 2009

Artigo Bárbara Hipolito

Arquitetura: expressão do seu tempo

Inserida na atualidade, a arquitetura contemporânea é aquela que tem por desafio apresentar soluções arquitetônicas, urbanas e espaciais que vão ao encontro das necessidades do nosso tempo, apropriando-se da tecnologia existente e desenvolvendo soluções que identifiquem a sociedade do século XXI, de forma a criar alternativas para atender às necessidades da era atual. Como a arquitetura moderna o fez, com a utilização de mecanismos, conceitos e designers voltados para a máquina, para o deslumbre das novas tecnologias do século XIX, para velocidade, para o dinamismo da sociedade daquela época. Ela foi a “cara da era moderna”, rompeu com o passado, apresentou uma nova identidade estrutural baseada na expressão, no ritmo, na dinâmica e na utilização de novos materiais como o vidro, o aço e o concreto.
A arquitetura moderna era funcionalista, racional, desprezou o ornamento e o decorativismo dos tempos passados; mostrou a verdade estrutural, procurou a riqueza do espaço, preocupou-se em projetar exemplares arquitetônicos onde a forma do edifício seguia a função que o contemplava. Apresentou grandes vãos, apoiados sobre pilotis; edificações com fachadas livres da estrutura; trouxe o vidro compondo as edificações com grandes rasgos, fenestrações ou ainda peles de vidro, cobrindo toda a fachada. O vidro é um elemento de importante destaque na apresentação de tipologias como as torres de edifícios comerciais, muito presentes nessa época, mostrando-se como um forte elemento de transição – planos de vidro – entre o interior e o exterior da edificação, e tem nas obras do arquiteto Mies Van der Rohe bons exemplos da utilização deste material, apresentado de forma abstrata, cujos reflexos dialogavam o edifício com o entorno e davam movimento, e por que não dizer textura, às fachadas limpas de qualquer decoração. Mies é o autor da frase Less is More e de obras que tendem ao minimalismo, onde busca a síntese da forma com o máximo da expressão.
Com relação ao entorno a arquitetura moderna pouco se importou, os edifício eram situados soltos em seus lotes, e apresentavam o novo acima de qualquer diálogo com o existente. Sobre a concepção dos espaços internos, vale ressaltar o nome do arquiteto Frank Lloyd Wright que apresentou, em seus exemplares, plantas abertas expandindo-se em várias direções como um organismo vegetal em crescimento, concebendo toda a casa num espaço fluido, assim como o fez com os planos e os volumes.
A arquitetura moderna costuma ser dividida em dois movimentos, o organicismo de Wright e o funcionalismo que nega as referências históricas da arquitetura e julgava o ornamento completamente desnecessário; e apresenta um movimento histórico de caráter internacional que se deu pelo fato de as obras desse período poderem se adaptar às necessidades de qualquer país. É o chamado International Style. Dentre os principais nomes da arquitetura moderna estão Le Corbusier, Walter Gropius, Mies Van der Rohe, Frank Lloyd Wright, Peter Behrens e o brasileiro Oscar Niemeyer.
A arquitetura pós-moderna foi a que procedeu à moderna, e faz a transição à contemporânea apresentando semelhanças a esta em aspectos como a volta do diálogo com o entorno, a procura do efeito e do cenário, a utilização de texturas, e retorna a alusão à arquitetura do passado.
A arquitetura contemporânea nasce no início da década de 70 e caracteriza-se por uma volta da identidade do cidadão com a idéia de lugar, mais regionalista. Apresenta diversas correntes, e este fato justifica-se por ser um movimento atual, de experimentação, voltado para uma sociedade em constante mutação e desenvolvimento tecnológico. Dentre as correntes atuais destacam-se as que derivam da arquitetura moderna, as lúdico-formalistas e as voltadas para os princípios de sustentabilidade.
O neo-racionalismo que utiliza formas básicas, porém trata as superfícies com cores ou texturas, e não apresenta predominância de linhas verticais ou horizontais (Arquitetos: Mario Roberto Alvarez, Tadao Ando, Richard Meier); o high tech que apropria-se da alta tecnologia atual e tem como característica fundamental a estrutura (Arquitetos: Norman Foster, Renzo Piano); o estruturalismo que apresenta-se como uma arquitetura formada de pequenas partes com hierarquia de volumes a partir da função que exercem no conjunto e em geral são edifícios de baixa altura (Arquiteto: James Stirling); e o neo-organicismo que caracteriza-se pela identificação com as formas orgânicas da natureza, faz referência à estrutura e apresenta formas orientadas pela emoção e pela tecnologia (Arquitetos: Nicholas Grimshaw, Décio Tozzi, Peter Cook, Colin Fourier), são exemplos das correntes que alimentam-se de princípios da arquitetura moderna.

As correntes lúdico-formalistas são: o neo-ecletismo que reúne elementos de arquiteturas passadas, como uma colagem de partes, mas, apesar de ser uma mistura intencional de estilos, e não aleatória, corre o risco de estruturar certo caos estético no conjunto (Arquiteto: Rafael Moneo). Da mesma forma o desconstrutivismo que pretende a desordem, a aparente falta de equilíbrio tanto entre as parte do todo da obra como com relação ao seu entorno, é uma arquitetura que está apoiada pelo desenvolvimento tecnológico podendo ser, em muitos casos, considerada da corrente high tech, apresenta exemplares arquitetônicos escultóricos caracterizados pela desconstrução da forma (Arquitetos: Rem Koolhas, Norman Foster, Thom Mayne, Frank Gehry). O neo-expressionismo assemelha-se ao anterior quando pretende o livre experimento, exagerando a forma para demonstrar a expressão, a força e a emoção. Apresenta prédios escultóricos e altos, em blocos únicos, robustos e pesados formados a partir de adições e/ou subtrações. A arquitetura lúdica é uma característica exclusiva da arquitetura contemporânea, ela propõe uma brincadeira com o espectador, uma espécie de jogo entre as partes que compõem o edifício e o indivíduo; mais do que uma interação, ela deve ser de forma divertida, no entanto, corre o risco de parecer ridícula, e em alguns casos cria certo desconforto, a ponto de inibir o espectador (Arquitetos: Rui Otake).

As correntes relacionadas ao paradigma da sustentabilidade são: o empirismo caracterizado pela participação dos moradores/usuários na concepção do projeto da obra, em geral bairros e comunidades, de forma que as experiências de vida deles sejam levadas em conta desde o projeto até a sua execução. No Brasil, existem bons exemplos da concretização destes projetos como a Favela-Bairro no RJ e a Vila Felicidade em Recife. (Arquitetos: Marcelo Ferraz, Sérgio Magalhães, Joan Villà); no regionalismo é aplicada a expressão Genius Loci (‘espírito do lugar’) onde tudo no projeto, materiais, técnicas, cores, forma e estilo serão pensados a partir do espírito daquele lugar, ou seja, uma obra será feita para aquele específico local (diferente da arquitetura moderna e seu ‘estilo internacional’) a partir da história e tradição deste, das pré-existências e entorno, da identidade do lugar. São obras discretas e modestas, que contém o sentimento e a essência do lugar onde estão instaladas. Nos exemplos de revitalização, percebe-se uma preocupação com o reaproveitamento, de forma a gerar menos entulhos e desperdícios, é uma nova forma de conviver entre o velho e o novo, preservando o patrimônio e possibilitando o surgimento de um novo em diálogo permanente com o velho (Arquitetos: Ricardo Loeb, Marcelo Ferraz, Flávio Kiefer). Um bom exemplo de obra que seguiu essa corrente é a revitalização do prédio eclético de 1931 para a instalação do Santander Cultural em Porto Alegre, projeto de Ricardo Loeb. Vivemos em uma era onde não pensar no futuro e no que deixaremos para as gerações futuras é inaceitável! Desta forma soluções mais econômicas e sustentáveis estão cada vez mais presentes nos projetos arquitetônicos, criando uma ‘estética sustentável’ nos meios urbanos atuais.

Na identificação da arquitetura contemporânea é possível perceber alguns elementos que a caracterizam, dentre eles destaco aqui:
• a marcação de topo e base que apresenta uma diferenciação destes com relação aos demais pavimentos, em geral marcando o acesso principal da edificação como pórticos e estabelecendo um rompimento com a forma pura do prédio; baseia-se na arquitetura clássica do passado tripartida (base-topo-coroamento) e seus portais; conferindo identidade e acabamento, como um arremate ao edifício. Os exemplos destacam principalmente a marcação do topo com alguma movimentação indicando o acesso, através de articulações dos elementos da platibanda, diferenciando o último pavimento dos demais a partir nas esquadrias ou da movimentação do plano horizontal, ou ainda com a utilização de elementos virtuais completando arestas ou volumes de forma a finalizar o envólucro do edifício. Na base, galerias ou volumes diferenciados e com pés-direitos duplos também enfatizam o acesso. Estes são elementos bastante encontrados no cenário atual pelotense, de patrimônio arquitetônico eclético, resgatando certo diálogo entre o novo e o histórico.
• a marcação da esquina demonstra outro rompimento com a arquitetura moderna, que não se utilizava desse artifício, agora os edifícios retomam os tratamentos diferenciados em suas esquinas a partir de chanfros, recuos e curvas diluindo a aresta, planos e pilares recompondo o vértice, janelas em ângulo, ou ainda volumes destacados de forma a criar a ilusão de que a esquina do edifício quer sair do volume principal.
• a arquitetura inclusora onde várias formas dão origem a outra forma, de maneira que não se percebe o sólido original. É sutil, se dá a partir de um jogo de volumes interseccionados, aproveitando o que gera da união desses volumes para criar movimento e um efeito de brincadeira com a forma, a partir de sacadas, diferenciações nas fachadas e deslocamentos de planos.
• o tratamento de superfícies, diferente daquela arquitetura moderna branca ou cinza (provinda do concreto cru) desprovida de textura e acabamento, a contemporânea faz uso de cores - tendendo às não saturadas - para destacar volumes e marcar topos de forma discreta e sutil. As fachadas mostram-se revestidas com pastilhas, pedras, metal, madeira ou ainda com a utilização de diferentes texturas e cores. O grafismo é bastante usual, para fazer o acabamento de empenas, com molduras ou desenhos nas superfícies, tanto abstratos como com referências a personagens e motivos atuais. Os vidros aparecem não mais em imensos planos, mas pequenos e com caixilhos definindo volumes e refletindo o entorno, visto que, com a necessidade de aumentar a eficiência energética no interior das edificações, apresentam-se refletivos, espelhados ou coloridos.
• arquitetura virtual é uma característica bastante contemporânea que faz uso da imaginação do observador, criando um efeito de cenário às edificações a partir de elementos que recompõem as formas, interseccionando planos, destacando elementos, unificando volumes distintos, marcando sacadas e terraços, fazendo formas emergirem do volume principal, recompondo fachadas com janelas lacradas e criando animação ao conjunto arquitetônico.

Na cidade de pelotas, é possível perceber a importância de uma arquitetura que dialogue com a sua história, retomando elementos e possibilitando a revitalização de seus edifícios ecléticos de forma a obterem novas funções e sensações. Diferente da arquitetura moderna, que abstraia o patrimônio cultural e implantava-se de forma egoísta num cenário constituído de referências emocionais com seus habitantes, a arquitetura do nosso tempo parece perceber essa importância, inclusive a de se comprometer com o futuro das novas gerações, criando no cenário urbano objetos arquitetônicos que dialogam com a história desse meio e preocupam-se em criar uma identidade do nosso tempo, mais econômica e eficientemente energética, de forma a gerar menos entulhos e poluição, garantindo a geração de conforto térmico, acústico, espacial e visual para os usuários e observadores. Em Pelotas há muito caminho a percorrer, nossos exemplares arquitetônicos atuais ainda não representam grandes inovações e podem ser relacionados mais com as correntes neo-racionalista e neo-eclética, por outro lado é visível a preocupação dos arquitetos locais com o entorno imediato e a releitura de elementos caracterizadores do nosso patrimônio histórico e arquitetônico.

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